quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Um pouco de cada um de nós


Porque nesse momento estamos tão preocupados com a humanização? Porque este é um tema subjacente a tantos encontros? Estamos perplexos com nossa humanidade e muito de nossos comportamentos. A competição que parecia algo que poderia extrair de nós o suco, o melhor, acabou por nos distorcer. O que passamos a ser capazes de fazer para ganhar algo, ou pelo menos não perder? O que se tornou lícito fazer? Posso me vingar das incompetências dos governos? Dos políticos? Das autoridades? Tenho direito a sonegar quando vejo o que se faz com o dinheiro público? Só um pouco? Só um pouquinho?

O sentimento de abandono é enorme e parece justificar posturas, comportamentos, ações e não ações.
Somos massacrados diariamente por notícias terríveis. Devemos ou podemos nos abster de nos emocionar? Temos o direito de ignorar, de fechar o coração? Tornamo-nos indiferentes?

Onde estão as regras? No fundo o que é que pode e o que é que não pode? Até onde se pode ir até onde não? Está escrito em algum lugar? Alguém tem o manual do jogo da vida?

Um enorme sentimento de vingança, algumas vezes discreto, algumas vezes explícito toma conta de muitas pessoas.

Ainda estamos buscando algum manual ou algum guru que nos dê as soluções.

A verdade é que não há mais regras gerais ou genéricas que possam de uma vez por todas regular nossas atitudes.

Existe um correto teórico e um correto real, de acordo com cada pessoa, cada situação, cada lugar, cada tempo.

Quando somos pequenos nossas mães, nossos responsáveis nos dizem exatamente o que fazer, quando e como. Escove os dentes! Está na hora de dormir! Lave as mãos! Vem jantar! Come tudo!
Crescemos e supostamente deveríamos estipular e reconhecer nossas necessidades e nos ordenar com relação a elas. Determinar quando escovamos os dentes, se escovamos, se deixamos para depois, se comemos agora ou alguma bobagem mais tarde. O processo de crescimento é esta possibilidade de reconhecermos e regularmos nossas vidas de acordo com nosso discernimento. Sem mais mamãe ou responsável para nos dizer o que fazer ou o que não fazer: quando, aonde e de que maneira.
Deveríamos poder discriminar o que convém ou não a partir de nossas experiências.
Geralmente não são as experiências que regulam nossas atitudes, e sim os modelos. Modelos que adotamos quando pequenos sobre como deveríamos ser. Nem mamãe se interessava em saber quem eu era e sim como deveria ser, me comportar. Ao longo da vida, nos revoltamos contra ou aceitamos algum modelo, lembrando que própria revolta é a adoção de um modelo contraposto – mas sempre um modelo.

Nos relacionamentos inter-pessoais, se pode falar de livre arbítrio? Capacidade de escolher o que é melhor a cada instante? De reconhecer o que nos motiva realmente? É muito fácil enganar a si mesmo.
Conhecemos a nós mesmos em profundidade suficiente para termos um real livre arbítrio?

Temos a humildade suficiente para reconhecer que somos condicionados? A começar por nos reconhecer como produtos de países, regiões, localidades onde nascemos, de épocas nas quais surgimos, de famílias das quais descendemos, que vivências pessoais e traumas sofridos nos impuseram posturas? Teremos a consciência ampla e plena de tudo que nos impregna e que nos é bombardeado ao longo do cotidiano? Somos capazes de reconhecer que alguns pensamentos que nos atravessam não têm origem em nós mesmos, mas que os captamos no ar? Que os repetimos como se fossem nossos e que fomos treinados dentro de parâmetros que agem sem que nos demos conta deles?

Estamos impregnados pelas idéias de como deveríamos ser. Começando por: o que deveríamos sentir - sentir em termos de sensações e sentimentos; que pensamentos deveríamos pensar. É tão comum esse condicionamento que muitas vezes não percebemos o que de fato estamos sentindo e pensando, tamanha é a ansiedade com aquilo que supomos devemos preencher.

Esta forma de viver é tão desgastante que nos encontramos frequentemente esgotados e tão cansados que terminamos por nos anestesiar e assim deixamos passar por nós pessoas e eventos. Deixamos passar oportunidades. Oportunidades não só de ganhar coisas ou evitar perdas, mas oportunidades de expressar afeto, ouvir, trocar experiências, de viver, de conhecer uma vida viva.
 
Não estou propondo sermos anjos, isto é literalmente desumano. Proponho estarmos mais em contato com o que de fato estamos vivendo e assim com clareza chegarmos a expressar vida, sentimentos e pensamentos: manifestações únicas de cada um de nós.

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