quinta-feira, 10 de março de 2016

Fundamentalismo ou a apologia do suicídio (revisado)


Estamos envoltos pela atmosfera do fundamentalismo por todo planeta., É importante pensar como e porque isso vem se estabelecendo. Esta postura, a meu ver, é uma reação ao enorme "input" de informações, inovações, conexões, mudanças e movimentos que vêm se estabelecendo no mundo como um todo. Um mundo que vem conjugando o "tudo é possível"
.
Essa situação estabelece exigências de novas formas de pensar, estruturar e relacionar-se em todos os níveis. Já há proposições de revisão dos modelos: econômicos, políticos, sociais, embasamentos científicos, ecológicos, sistemas de crenças e de relações humanas, em todos ambientes: trabalho, afetivos, construções familiares, e por aí vai

Por outro lado, fluxos migratórios intensos, por razões bélicas e climáticas é um movimento humano poderoso que vai exigindo das pessoas novas atitudes (maior envolvimento, clareza, comprometimento e responsabilidade e sobre tudo de conexão interna).

Torna-se compulsório uma percepção clara de si mesmo. O reconhecimento de nossas contradições - não como defeitos, mas como parte intrínseca de nossa estrutura humana passa a ser absolutamente fundamental, como também conhecer nossos mecanismos psíquicos. Enfim não é mais possível estar distante de si mesmo. É necessário reconhecer nossos reais pensamentos, sentimentos e sensações e não se deixar achatar e enganar pelo que “deveríamos” pensar e sentir.

Há uma necessidade de saber a cada momento o que é necessário e o que deixa de ser .Esse saber humano requer uma capacidade dinâmica de deixar de lado uma postura e investir-se de outra com rapidez, e perceber que certos enunciados e conceitos são válidos apenas provisoriamente. Fala-se aqui de presença e clareza cada vez maiores.

Heiddger dizia: “Chegamos tarde demais para os deuses e cedo demais para o Ser”

É possível entender deuses como aqueles e/ou aquilo que nos orientava e dava o norteamento de como deviam funcionar as coisas. Daquilo e daqueles que diziam como deviam ser as coisas. Em contraste com o Ser, ou seja “vocês devem ir descobrindo a cada momento o que deve ou não ser feito”.

Numa tradução mais fácil, trata-se de nos darmos conta de que estamos numa fase adolescente como humanidade. A questão é passar da condição de crianças, onde mamães e papais diziam o que fazer, quando e como:"Está na hora de dormir" "Vá escovar os dentes". "O jantar está na mesa,hora de comer".e todas essas ordens que nos davam o conforto de nos sentirmos cuidados, e passarmos a condição adulta de decidirmos quando onde e como, e se dormiremos, comeremos, etc.

Essa nova postura adulta é desafiadora, é de uma exigência a que não estávamos acostumados como raça humana. Significa crescer como seres humanos. Não temos em nossa cultura formal curriculum disso. Isso de certa maneira nos provoca angústia e três reações possíveis. Uma é aceitar o desafio e embarcar na busca do novo e de rever todo nosso sistema humano e assumirmos a postura adulta que nos é proposta. Outra é rejeitar, encolher-se e reagir e implorar pelo retorno do “antigamente”, das posturas e formas que nos alimentavam com certezas sobre o mundo, ou seja a de crianças. E a terceira, que é onde a maioria de nós se encontra que é o meio termo, ou seja, por vezes aceitamos a responsabilidade e o discernimento de adultos, e por outras resvalamos no implorar por alguém que nos diga o que fazer, quando e como.. 

Os gritos desesperados daqueles que querem fugir do crescimento têm um enunciado do tipo:  "Queremos tudo de volta, com as certezas que tínhamos, com tudo que não é parecido conosco longe de nós, Se possível eliminado. Estamos vivendo uma ameaça de dissolução de tudo que era estruturado. O incerto parece nos envolver com força e o inesperado arromba nossas portas. Isso é ruim. Precisamos de pessoas e movimentos que nos digam exatamente o que devemos fazer, como e quando. Como era antigamente! Precisamos de leis e regras bem definidas e rigorosas e que não exijam revisão constante porque estamos vivendo o Caos! É loucura cada um a partir de sua própria cabeça decidir o que fazer, para onde ir, o que pensar, o que sentir, o que aceitar, o que recusar, como se comportar. As coisas como eram antigamente podem nos dar a sensação de conforto e segurança. Portanto: Viva Trump, Bolsonaro, Estado Islâmico e similares!!!"

Há uma enorme quantidade de pessoas que, neste momento, de maneiras sutis ou evidentes, vem levantando esta bandeira. É uma bandeira que exalta a lei do “como deve ser” exaltando o abandono de si, do contato mais profundo consigo mesmo. É uma forma de anulação de si, de suicídio. Quando digo suicídio é o matar-se, ou melhor, matar sua possibilidade de contribuição única ao mundo. Seu olhar único, sua perspectiva única, sua vivência e experiência única, que mesclada com as demais pode produzir saídas e realizações magníficas.

O oposto disso é esta criação de um imenso exército de mortos-vivos por todo o planeta. Isso vem se tornando algo como uma doença, uma praga que vai se alastrando... 
  
Dispensando a ironia, o fato é que estamos sendo convocados a despertar, mas como vimos, há uma profunda reação que grita: "vamos fazer o que já sabemos fazer", "deixemos de inventar coisas novas".
Estar presente, conectado com a multiplicidade e diversidade da vida, não tem sido parte de nossos hábitos, religiões, modelos e de nossa educação formal. Temos sido entorpecidos e convocados constantemente a adormecer e esquecer de nossas características humanas.essenciais. .

Um belo antídoto a esta praga que nos assola é nos lembrar e manter a criança em nós desperta e participante, criativa, curiosa. Lembrar de nossos olhares, impulsos mais espontâneos que tínhamos quando pequenos. .É necessário recordar de quem somos, de que é possível resgatar essa luz, essa vivacidade e espontaneidade, 

A clareza da criança que habita em nós tem muitas formas de expressar sua Presença e esperança. É possível viver uma alquimia que associa reflexão e conexão com a pureza da criança interna.

Essa postura pode evitar que se produzam e reproduzam todos estes defuntos ambulantes e suas irradiações. Pessoas que foram impregnados da ideia de que o melhor é abrir mão do que percebem, sentem e pensam. Pessoas que se abandonaram, que se impregnaram de preguiça existencial. Podemos chamar esse abandono de si de suicídio. São abraços com a morte e esses que entram por este caminho buscam líderes da morte. Buscam guias e salvadores que mantem esse estado hipnótico. 



Esses que já se abandonaram, de certa maneira se suicidaram, e portanto estão envoltos pela morte e escolhem todos os dias o matarás em vez do não matarás. E um matarás que tem a propriedade de se expressar tanto pela extinção do que é diferente, através do preconceito, da rejeição e da marginalização, como também pela extinção física de si mesmos e daqueles que possam apresentar e exaltar quaisquer outras formas de viver fora dos parâmetros a que estão acostumados.
   
Estes suicidas necessitam tapar seus ouvidos, sua boca, seus olhos e engolir todos e tudo que represente ameaça a esse estado de morte no qual estão imersos. Em suma a VIDA em sua ampla diversidade, para eles, constitui uma constante ameaça!