sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Futuro é Tempo do Coração

FUTURO É TEMPO DO CORAÇÃO
ou Futuro é depois de agora

              É necessário revermos nossas idéias de futuro. Vivemos uma realidade aceleradamente imprevisível, portanto toda a tradicional cultura que envolve a exaltação da previdência bordeja o irônico. Uma rápida leitura dos jornais comprova diariamente este fato. Uma curiosidade notável é que em nosso país, em língua portuguesa corrente, já deixamos há tempo de conjugar o futuro. O “vou fazer”, “vou realizar”, e assim por diante – associação de presente com infinitivo – substituíram irremediavelmente o “farei”, “realizarei” e qualquer outro verbo. Perdeu-se a força da afirmação que os verbos assim conjugados exprimem. (Os neuro lingüistas que façam a festa).

              As incertezas diárias não comportam mais os ensinamentos que de alguma maneira continuamos, como papagaios, a repetir para nossos filhos. Torna-se cruelmente evidente que não cabe mais entoar a canção que diz: esforços, dedicações e similares levam  “a alcançar um lugar na vida”. O não compromisso, a esperteza, a corrupção, o enganar o próximo passaram de atitudes ilícitas para uma atordoante normalidade. Há uma discrepância imensa entre o que se ensina e a realidade que nos envolve. No entanto continua-se a repetir à exaustão chavões como: “estude para ser alguém”, “é com esforço que se chega lá”, citando exemplos de pessoas que passaram a ser exceções. Critica-se amargamente a realidade com suspiros de desistência : “o que é que se pode fazer?...”, ou com pensamentos raivosos de “está tudo errado” implicando por vezes a idéia de que “se eu fosse Deus faria melhor”.

              Abundam por toda parte modelos pouco dignos, e o que é pior reverenciados. O pragmatismo, competição e seus derivados tomaram o lugar do sonho. O sonho, que é rascunho do futuro, virou “perda de tempo”. A pergunta que se impõe é: É possível viver sem sonhos? O que realmente aconteceu?

              Se analisarmos bem esta questão podemos perceber que o que temos feito é jogado fora a criança com a água suja da bacia, ou seja, o que está em extinção não são exatamente os sonhos mas as muitas formas ocas e cristalizadas que acostumamos a enunciar como sendo sonhos, e que estão ruindo junto com as demais instituições. São imagens antigas que perderam vigência e às quais foram agregadas algumas outras cozinhadas por marqueteiros, e vendidas ininterruptamente pela televisão e “outdoors”. É urgente lembrar que o coração, verdadeiro órgão do sonho, sonha numa linguagem essencial, e uma essência não desaparece. O que é necessário portanto é recontactar o coração e a possibilidade de sonhar sem apego às formas. Em outras palavras poderíamos dizer que estamos sendo obrigados a sonhar de verdade, pois o que perdemos, certamente, foi o contato com o coração, com a essência.

              Por outro lado, há que se admitir, o imediatismo chegou intenso e devastador, alimentando o narcisismo infantil de toda uma nova geração, e chegou também a serviço de seus pais, perdidos e sem tempo. Este imediatismo, veio como um irmão da informática e do consumo, e patrocinando toda uma cultura, que passa pelo crédito rápido (compre- agora-pague-depois), auto ajuda (eu-me-cuido-sozinho), “fast-food” (engula-rápido-e-siga-em-frente), pirataria (pegue, nada-tem-dono), self service (coma sozinho), auto-atendimento bancário (resolva suas contas por conta própria), sexo virtual (sexo sem contato) e outras drogas. Temos nos iludido com o fato de que ao termos muitas informações (ou imagens) possuímos sabedoria e o controle das coisas. Os eventos que se precipitam, em contraponto ao refúgio da realidade virtual, vêm demonstrando de forma implacável nossa impotência. Os meios de comunicação multiplicaram-se em quantidade, tipos e velocidade, na razão inversa de nossa confiança nos relacionamentos daí originados.

              Aqui estamos adentrando um novo século, atônitos. Nos tornamos produtores e vítimas de uma estupenda ansiedade que detona enfartes, pressões altas, obesidades, metabolismos loucos, acidentes, suicídios, homicídios, e mais recentemente parricídios e outras ações ensandecidas.

              Nossa linguagem e nosso modo de descrever os fatos, não servem mais para abordar e nos relacionar com a realidade que nos envolve. É preciso encontrar novas formas de conjugar o futuro.

              Apesar da famosa afirmação de que “Não há nada de novo sob o sol”, alguns fatores que nos envolvem são inéditos em nosso ambiente planetário. O número de pessoas no mundo é muito maior do que jamais foi, o número de encontros possíveis entre o seres humanos aumentou numa escala astronômica - o que por si determina comportamentos ansiosos e bastante diferentes daqueles estabelecidos e já estudados por nossa cultura vigente. Um fator talvez pouco considerado na avaliação de eventos é que seres humanos, por sua mera presença, são multiplicadores de sensações, sentimentos e pensamentos, gerando muitas forças invisíveis e mudas que facilmente irrompem de modo inesperado na forma de violências. A possibilidade de se ocultar algum fato hoje é bem menor. As coisas podem ser praticamente “captadas” no ar ainda que muitas vezes de forma não completamente consciente e portanto gerando mal estares.

              Não nos ensinaram o que fazer e como fazer nesta situação inédita pela qual o planeta esta passando. Não há receita publicada, nem história precedente das quais tirar lições. É um momento novo, em que é fundamental assumirmos não somente nosso aspecto criativo mas nosso aspecto criador. Se por um lado o criativo traz maneiras novas de se relacionar com algo conhecido, ou novas formas de realizar algo já feito (algumas vezes encobrindo velhas posturas com novas embalagens), o criador encontra maneiras de relacionar-se com algo desconhecido, as vezes trazendo consigo certa perplexidade. Manifesta algo inédito, original como: dizer algo nunca dito, pensar algo nunca pensado, ou fazer algo nunca feito. É preciso uma escuta mais profunda, uma enorme respiração, e uma grande coragem para iniciarmos movimentos que nunca foram feitos antes.
       
              O desafio é lançar-se neste caos sem referências passadas. Dá medo mas, algumas atitudes podem facilitar esta busca do novo, do criador. Pode-se começar por interromper os obsoletos discursos moralistas e a sedução das explicações puramente técnicas e acadêmicas, e humildemente (predicado escasso nestes tempos) abster-nos de sair discursando sem o coração posto nos enunciados, e finalmente admitir nossa confusão, incongruência, desorientação e conseqüente incapacidade de guiar com clareza as novas gerações. Isto pode nos levar à criativa região do silêncio (outro ingrediente raro nestes tempos) onde poderá se buscar compreender o que se passa (algo bastante diferente de simplesmente entender, ou ter informações).

              Produtos associados do silêncio: a reflexão, compreensão, imaginação, acolhimento, calma, compaixão, profundidade e a possibilidade de deixarmos a intuição emergir, a meu ver, devem ser cultivados em contraponto a excessiva reverência pelas atitudes masculinas, heróicas e acadêmicas, que determinam que os problemas se resolvem exclusivamente pela racionalidade, técnica, determinação, imposição, força, assertividade, conquista, superação, precisão, distanciamento e outros assemelhados. É importante não confundir essas atitudes receptivas com complacência, frouxidão ou falta de energia.

              Certamente esta preparação passa pelo resgate dos pequenos gestos cotidianos. Afinal o mundo não é apenas o que sai no jornal, ele é sustentado pelo invisível oculto no cotidiano. Pela respiração das crianças na escola, pelos gemidos dos amantes na cama, pelas mães cozinhando, pelos jardineiros ajoelhados atrás das flores, por risadas no bar, por pensamentos que preparam festas, por cada pequeno prazer sem razão. É questão de associar-se aos que estão sonhando desde seus corações, acreditando, planejando e realizando. Eles existem. Olhe em volta.
       
Michel Robin Rabinowitz

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