Porque nesse momento estamos tão preocupados com a humanização? Porque
este é um tema subjacente a tantos encontros? Estamos perplexos com nossa
humanidade e muito de nossos comportamentos. A competição que parecia algo
que poderia extrair de nós o suco, o melhor, acabou por nos distorcer. O que
passamos a ser capazes de fazer para ganhar algo, ou pelo menos não perder? O que se tornou lícito fazer? Posso me vingar das incompetências dos
governos? Dos políticos? Das autoridades? Tenho direito a sonegar quando vejo o
que se faz com o dinheiro público? Só um pouco? Só um pouquinho?
O sentimento de abandono é enorme e parece justificar posturas,
comportamentos, ações e não ações.
Somos massacrados diariamente por notícias terríveis. Devemos ou podemos
nos abster de nos emocionar? Temos o direito de ignorar, de fechar o coração?
Tornamo-nos indiferentes?
Onde estão as regras? No fundo o que é que pode e o que é que não pode?
Até onde se pode ir até onde não? Está escrito em algum lugar? Alguém tem o
manual do jogo da vida?
Um enorme sentimento de vingança, algumas vezes discreto, algumas vezes
explícito toma conta de muitas pessoas.
Ainda estamos buscando algum manual ou algum guru que nos dê as
soluções.
A verdade é que não há mais regras gerais ou genéricas que possam de uma
vez por todas regular nossas atitudes.
Existe um correto teórico e um correto real, de acordo com cada pessoa,
cada situação, cada lugar, cada tempo.
Quando somos pequenos nossas mães, nossos responsáveis nos dizem
exatamente o que fazer, quando e como. Escove os dentes! Está na hora de
dormir! Lave as mãos! Vem jantar! Come tudo!
Crescemos e supostamente deveríamos estipular e reconhecer nossas
necessidades e nos ordenar com relação a elas. Determinar quando escovamos os
dentes, se escovamos, se deixamos para depois, se comemos agora ou alguma
bobagem mais tarde. O processo de crescimento é esta possibilidade de
reconhecermos e regularmos nossas vidas de acordo com nosso discernimento. Sem
mais mamãe ou responsável para nos dizer o que fazer ou o que não fazer: quando,
aonde e de que maneira.
Deveríamos poder discriminar o que convém ou não a partir de nossas
experiências.
Geralmente não são as experiências que regulam nossas atitudes, e sim
os modelos. Modelos que adotamos quando pequenos sobre como deveríamos ser. Nem
mamãe se interessava em saber quem eu era e sim como deveria ser, me comportar.
Ao longo da vida, nos revoltamos contra ou aceitamos algum modelo, lembrando que própria revolta
é a adoção de um modelo contraposto – mas sempre um modelo.
Nos relacionamentos inter-pessoais, se pode falar de livre arbítrio?
Capacidade de escolher o que é melhor a cada instante? De reconhecer o que nos
motiva realmente? É muito fácil enganar a si mesmo.
Conhecemos a nós mesmos em profundidade suficiente para termos um real
livre arbítrio?
Temos a humildade suficiente para reconhecer que somos condicionados? A
começar por nos reconhecer como produtos de países, regiões, localidades onde
nascemos, de épocas nas quais surgimos, de famílias das quais descendemos, que vivências pessoais e traumas sofridos nos
impuseram posturas? Teremos a consciência ampla e plena de tudo que nos
impregna e que nos é bombardeado ao longo do cotidiano? Somos capazes de
reconhecer que alguns pensamentos que nos atravessam não têm origem em nós
mesmos, mas que os captamos no ar? Que os repetimos como se fossem nossos e que
fomos treinados dentro de parâmetros que agem sem que nos demos conta deles?
Estamos impregnados pelas idéias de como deveríamos ser. Começando por:
o que deveríamos sentir - sentir em termos de sensações e sentimentos; que
pensamentos deveríamos pensar. É tão comum esse condicionamento que muitas
vezes não percebemos o que de fato estamos sentindo e pensando, tamanha é a ansiedade com aquilo
que supomos devemos preencher.
Esta forma de viver é tão
desgastante que nos encontramos frequentemente esgotados e tão cansados que terminamos por nos
anestesiar e assim deixamos passar por nós pessoas e eventos. Deixamos passar
oportunidades. Oportunidades não só de ganhar coisas ou evitar perdas, mas oportunidades de
expressar afeto, ouvir, trocar
experiências, de viver, de conhecer uma vida
viva.
Não estou propondo sermos anjos, isto é literalmente desumano. Proponho
estarmos mais em contato com o que de fato estamos vivendo e assim com clareza chegarmos a expressar vida, sentimentos e pensamentos: manifestações únicas de cada um de nós.
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