A imensa abertura cultural humana pela qual estamos passando com o irromper de tantas variáveis é um desafio planetário a ser encarado. Como lidar com tanto movimento, com tantas possibilidades que se apresentam? A ciência, a sexualidade, a comunicação e tantos outros fatores estão ditando transformações agudas e promovendo movimentos que questionam contornos e limites. São tão fortes que é fácil associar esses movimentos a ideia de caos, de desordem. Isso gera medo
Está sendo produzida, devido a guerras, situações políticas, sociais e econômicas, assim como questões climáticas uma movimentação literal nas fronteiras geográficas. Fluxos migratórios intensos.
Limites e fronteiras em xeque.
O olhar da própria ciência contemporânea em contraste com a ciência clássica tem rompido cânones seculares introduzindo teorias como a do caos, da complexidade, dos atratores e outras. Há teorias que admitem que as próprias leis da natureza estão em transformação.
Há uma enxurrada de inovações decorrentes de novas tecnologias e meios de comunicação que vem pedindo novas formas de interação humana. Surgem movimentos como o feminismo, reverência à diversidade, a inclusão, o acolhimento das singularidades, fatores sociais que têm rompido formas estabelecidas de convivência com repercussões sobre relações humanas, sobre profissões e as formas econômicas tradicionais.
Como fazer frente e digerir tudo isso?
As formas hegemônicas de compreender a vida não se sustentam mais, dando lugar a presença da necessidade de dar espaço às singularidades. Não temos currículo para fazer frente a isso
Isso vem produzindo assombros e temores.
Estamos vivendo uma assombração do "tudo pode", o que vem gerando volatilidades, incertezas, complexidades e ambiguidades com cada vez maior presença em nossa cultura.
Há uma sensação de falta de controle Essas novidades deflagram e intensificam conjunturas. Isso produz reações, novos comportamentos e maneiras de tratar com a realidade
Muito fácil que essa angustia promova uma sensação de incapacidade de administrar essas novas situações e defina o que está ocorrendo como caos. Diante do caos se implora por ordem.
Interessante observar alguns dos movimentos que vêm se impondo no mundo e suas respectivas antíteses:
Ao "abrangente", se contrapõe o "específico"
À "inclusão" se contrapõe a "discriminação".
A "volatilidade" se opõe a aspectos "densos e concretos"
A "incerteza" tem como oposto a "certeza"
A "complexidade" tem como oposto a "simplicidade"
Aos "direitos" se opõem os "deveres"
À "ambiguidade" se contrapõe "definições claras".
Muitas vezes" igualdade" é vista como "indiscriminação". Assim tem seu oposto na "diferenciação e hierarquia"
Some-se a isso elementos de nossa cultura que nesse momento vêm sendo exaltados como a necessidade de "aceitação". "Aceitação" pode escorregar facilmente para ser interpretado como complacência.
Temos finalmente nesse pacote o termo "abertura de fronteiras" que sob angústia é igualado a "falta de fronteiras" ou falta de limites.
Interessante perceber que quando se fala dessas aberturas, abrangências, acesso e possibilidades para todos, se credita esses fatores não como consequências inevitáveis de transformações, descobertas e necessidades, mas a ideologias. É a ideologia de esquerda nesse momento que fornece a embalagem e é responsabilizada pelo mal estar decorrente dessas mudanças e movimentos.
Essa chamada ideologia de esquerda é também associada ao feminino, já que é posto no mesmo pacote o acolhimento, a abertura e a ampliação de limites. Uma postura frequentemente sentida e confundida com complacência, ou seja, com o "tudo pode". Isso é igualado a "falta de discriminação" que é igualado "caos", "desordem".
A violência, elemento que é bandeira de campanhas eleitorais, tem um viés em que não é descrito como efeito de questões econômicas, sociais ou educacionais, mas como resultado de "falta de ordem", ou seja, um "produto do caos". O caos deve ser tratado com o rigor da "ordem", da "hierarquia' e da "mão firme".
Da mesma forma "corrupção" é tratada também como "desvio de conduta", "falta de ordem", ou melhor, um viés de "complacência"
Portanto, diante disso, não é surpresa uma quantidade enorme de gente desejar alguém que venha com "simplicidade" e que pregue "contornos", "ordem", que seja rígido, que delineie como devem ser as coisas. Um pessoa que empunhe caracteres chamados "masculinos". Uma pessoa que ponha "ordem" no "caos instaurado pela esquerda", pelo "louco feminino".
O fato é que o equilíbrio entre o abrir e o fechar não poderá mais vir de fora, mas terá que vir de forma dinâmica através do "conhecimento de si mesmo", de cada um. Para cada momento uma nova postura. Para cada situação uma ação necessária. Atitudes de PRESENÇA baseadas em contato profundo consigo mesmo. tendo a clareza de perceber a cada momento o que é adequado e o que não é. Poder mudar a trajetória quando necessário. Mudar o foco, rever, admitir não saber a resposta de imediato. Escutar a Vida.
Um exercício constante dos aspectos humanos para que possamos não só responder às mudanças e transformações que nos envolvem, mas transitar e participar alegremente de todo complexo movimento que se está estabelecendo a nossa volta e em nós mesmos