Novas Sexualidades
Sexualidade quando se derrama em
palavras, sobretudo quando trata o problema de forma superficial e
generalizada, quase sempre acaba por formular alguma expressão do tipo: “como é
que deveria ser”. A partir da ótica de “literaturas” bastante abundantes, temos
nossos comportamentos sexuais comparados com os dos animais, não raras vezes
com os dos habitantes de remotas localidades bem como ao de selvagens de
diferentes tribos “não contaminadas” por hábitos e costumes civilizacionais.
Haverá sempre, nestes escritos, algum trecho ou capítulo referindo-se à nossa
cultura ocidental como responsável por todas nossas mazelas e o afastamento de
nossa “sexualidade saudável”. Dá-se sempre a entender que existiria uma
normalidade definida, buscada e apresentável através de pesquisas. Assim tem
sido escritos livros e relatórios, ...e ao final...sucumbimos às centenas de
expressões e dizeres que quase sempre conseguem, mais que tudo, demonstrar-nos
a todos como grandes incompetentes, e para não esquecer....nos fazer sentir
angustiantemente culpados.
Sexualidade é assunto “cabeludo”,
do qual se fala em geral baixinho ou aos berros. Mas não há dúvida que é um
assunto, para muitos, pleno de pudores e sobre o qual se mantém coberturas que
vão da velha folha de parreira às mais sofisticadas filosofias. Afinal encerra
em seu bojo, em última instância, o mistério da criação. Fala do prazer e de
necessidades; contem o “perigo” do descontrole e da desfiguração, e em seu
âmbito expressam-se várias de nossas contradições.
O sexo nos expõe e põe à nu, nos
contorce e despenteia. Deixa transparecer aspectos ocultos, tão bem preservados
nas palavras e gestos apresentados nos salões. É praticado entre quatro paredes
(ainda que às vezes quase transparentes); e por ele pode se pagar. Até mesmo
entre os mais estáveis casais não é incomum que ele, em si, torne-se valor de
barganha. Estranhamente faz daquele que recebe o dinheiro, sempre o criminoso.
Fica a parecer que a fragilidade de quem expressa muito obviamente sua
necessidade é descontada a posteriori com a condenação daquele(a) que a supriu.
É assunto íntimo sem dúvida,
instrumento de aproximação, contato, descarga, fantasias e medo, alegrias e
orgasmos (“la petite mort” como dizem os franceses). Motivo de fidelidades e
infidelidades, detona cheiros, sabores, suores e crimes, sons estranhos,
gemidos, palavrões, juras eternas, poesias inspiradas, arte, vulgaridades e
baixarias. É energia humana em trânsito, absolutamente humana, que envolve
nossos corpos físicos, que nos tira do teórico, nos projeta na carne concreta e,
portanto, nos revela a nós mesmos e aos outros: nus e crus. Pode nos envolver
num estado de caos e por vezes de percepção clara. Expressa nitidamente nossos
preconceitos e aprendizados. Pode nos surpreender e pegar de surpresa. Servem
seus verbos e anatomias envolvidas, para os ataques verbais mais cruéis e
vulgares, enquanto que em algumas culturas é elevado às expressões máximas da
divindade.
Sexualidade é certamente a evidência,
ao nível físico, do saber-se humano e incompleto, ou seja: da necessidade do
outro. É, por conseguinte, uma das expressões de nosso impulso de
completar-nos, de buscar o Todo, de fusão, de ir buscando tornar-se mais
inteiro; sentir-se participe do Todo e da criação.
Como maioria, vivemos uma
sexualidade urbana, que tem domicílio dentro de uma atual e assombrosa
complexidade cultural. Estamos mergulhados em um caldo grosso de mudanças e
informações que dá origem a novos códigos, ritmos, tempos, formas e
disponibilidades. Nossa sexualidade está sujeita aos impactos dos eventos
sociais, econômicos, políticos e tecnológicos que vêm sofrendo modificações
ininterruptas e por vezes angustiosas. Este novo cenário exige sensibilidade,
originalidade e precisão nas maneiras de responder, maneiras pessoais e muitas
vezes bastante diferentes de nossos antecessores. Há um maior número de pessoas
no planeta, a entropia de encontros entre os seres humanos aumentou, e com ela
vem surgindo mais possibilidades de relação (acompanhados de sentimentos de
solidão e distanciamento diretamente proporcionais). A convivência entre os
indivíduos modificou-se e necessita outros parâmetros de referência, controle e
cuidados. É tempo de um repensar/reviver da sexualidade, um tempo de deixar de
lado pensamentos esquemáticos e soluções de algibeira.
Sexualidade torna-se, portanto,
assunto antigo/novo para o qual é preciso um
recomeço através de uma abordagem sincera e aberta. O caminho começa
pelo encontro consigo mesmo, perceber, compreender e localizar-se a cada
momento nesta busca essencial de completar-se. Segue na busca de expressões que
melhor possam traduzir nossos desejos e necessidades (talvez para uns, em algum
momento ler um livro pode ter um caráter mais prazeroso que a prática física do
sexo), e na rendição ao fato que nossos
impulsos podem variar no tempo e no espaço. Finalmente tomar em
consideração que sexualidade, como todos assuntos existenciais que nos
envolvem, não é independente das relações com nosso entorno; um entorno, que
este momento, mais do que qualquer outro da história, se apresenta extraordinariamente
relativo. Estamos diante de uma nova sexualidade, (ou serão sexualidades?) que
acompanham o passo do mundo, e que se apresentam mais dinâmicas do que jamais
foram.
Michel
Robin