sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Novas Sexualidades



             Sexualidade quando se derrama em palavras, sobretudo quando trata o problema de forma superficial e generalizada, quase sempre acaba por formular alguma expressão do tipo: “como é que deveria ser”. A partir da ótica de “literaturas” bastante abundantes, temos nossos comportamentos sexuais comparados com os dos animais, não raras vezes com os dos habitantes de remotas localidades bem como ao de selvagens de diferentes tribos “não contaminadas” por hábitos e costumes civilizacionais. Haverá sempre, nestes escritos, algum trecho ou capítulo referindo-se à nossa cultura ocidental como responsável por todas nossas mazelas e o afastamento de nossa “sexualidade saudável”. Dá-se sempre a entender que existiria uma normalidade definida, buscada e apresentável através de pesquisas. Assim tem sido escritos livros e relatórios, ...e ao final...sucumbimos às centenas de expressões e dizeres que quase sempre conseguem, mais que tudo, demonstrar-nos a todos como grandes incompetentes, e para não esquecer....nos fazer sentir angustiantemente culpados.

             Sexualidade é assunto “cabeludo”, do qual se fala em geral baixinho ou aos berros. Mas não há dúvida que é um assunto, para muitos, pleno de pudores e sobre o qual se mantém coberturas que vão da velha folha de parreira às mais sofisticadas filosofias. Afinal encerra em seu bojo, em última instância, o mistério da criação. Fala do prazer e de necessidades; contem o “perigo” do descontrole e da desfiguração, e em seu âmbito expressam-se várias de nossas contradições.

             O sexo nos expõe e põe à nu, nos contorce e despenteia. Deixa transparecer aspectos ocultos, tão bem preservados nas palavras e gestos apresentados nos salões. É praticado entre quatro paredes (ainda que às vezes quase transparentes); e por ele pode se pagar. Até mesmo entre os mais estáveis casais não é incomum que ele, em si, torne-se valor de barganha. Estranhamente faz daquele que recebe o dinheiro, sempre o criminoso. Fica a parecer que a fragilidade de quem expressa muito obviamente sua necessidade é descontada a posteriori com a condenação daquele(a) que a supriu.

             É assunto íntimo sem dúvida, instrumento de aproximação, contato, descarga, fantasias e medo, alegrias e orgasmos (“la petite mort” como dizem os franceses). Motivo de fidelidades e infidelidades, detona cheiros, sabores, suores e crimes, sons estranhos, gemidos, palavrões, juras eternas, poesias inspiradas, arte, vulgaridades e baixarias. É energia humana em trânsito, absolutamente humana, que envolve nossos corpos físicos, que nos tira do teórico, nos projeta na carne concreta e, portanto, nos revela a nós mesmos e aos outros: nus e crus. Pode nos envolver num estado de caos e por vezes de percepção clara. Expressa nitidamente nossos preconceitos e aprendizados. Pode nos surpreender e pegar de surpresa. Servem seus verbos e anatomias envolvidas, para os ataques verbais mais cruéis e vulgares, enquanto que em algumas culturas é elevado às expressões máximas da divindade.


             Sexualidade é certamente a evidência, ao nível físico, do saber-se humano e incompleto, ou seja: da necessidade do outro. É, por conseguinte, uma das expressões de nosso impulso de completar-nos, de buscar o Todo, de fusão, de ir buscando tornar-se mais inteiro; sentir-se participe do Todo e da criação.

             Como maioria, vivemos uma sexualidade urbana, que tem domicílio dentro de uma atual e assombrosa complexidade cultural. Estamos mergulhados em um caldo grosso de mudanças e informações que dá origem a novos códigos, ritmos, tempos, formas e disponibilidades. Nossa sexualidade está sujeita aos impactos dos eventos sociais, econômicos, políticos e tecnológicos que vêm sofrendo modificações ininterruptas e por vezes angustiosas. Este novo cenário exige sensibilidade, originalidade e precisão nas maneiras de responder, maneiras pessoais e muitas vezes bastante diferentes de nossos antecessores. Há um maior número de pessoas no planeta, a entropia de encontros entre os seres humanos aumentou, e com ela vem surgindo mais possibilidades de relação (acompanhados de sentimentos de solidão e distanciamento diretamente proporcionais). A convivência entre os indivíduos modificou-se e necessita outros parâmetros de referência, controle e cuidados. É tempo de um repensar/reviver da sexualidade, um tempo de deixar de lado pensamentos esquemáticos e soluções de algibeira.

             Sexualidade torna-se, portanto, assunto antigo/novo para o qual é preciso um  recomeço através de uma abordagem sincera e aberta. O caminho começa pelo encontro consigo mesmo, perceber, compreender e localizar-se a cada momento nesta busca essencial de completar-se. Segue na busca de expressões que melhor possam traduzir nossos desejos e necessidades (talvez para uns, em algum momento ler um livro pode ter um caráter mais prazeroso que a prática física do sexo), e na rendição ao fato que nossos  impulsos podem variar no tempo e no espaço. Finalmente tomar em consideração que sexualidade, como todos assuntos existenciais que nos envolvem, não é independente das relações com nosso entorno; um entorno, que este momento, mais do que qualquer outro da história, se apresenta extraordinariamente relativo. Estamos diante de uma nova sexualidade, (ou serão sexualidades?) que acompanham o passo do mundo, e que se apresentam mais dinâmicas do que jamais foram.


Michel Robin

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Anjo na carne

Amós, um anjo, decidiu viver entre os homens. Tarefa árdua. A mobilidade se restringia e o voo se encurtava.
Como viver na carne e poder continuar vivendo luz/liberdade?
Amós elegeu então o sexo que, com seu prazer magnífico, tornou-se seu elo de ligação profundo entre o voo e a carne.