sábado, 20 de abril de 2013

Crepúsculos e Auroras


Crepúsculos e Auroras

Examinando a polaridade Dia e Noite ou explicito e implícito, ou ainda revelado e mistério, se pode notar que o organizado, arrumado, claro, revelado, nítido e discernido compreende o lado “Dia” da existência, enquanto que o lado escuro, nebuloso, misterioso, sem contornos definidos, o lado do sonho, corresponde ao lado “Noite” da existência.

Necessitamos transitar em ambos os lados para completar-nos como seres humanos. Temos que mergulhar em ambos os campos para uma vida completa.
De dia: tarefas, lógicas, racionalidades, deduções, planos e clareza, enfim o espaço do que pode ser explicado, o plano da consciência, do controlável.
De noite: sonho, mistério, sensações, indefinições, “loucuras”, o inexplicável, o inconsciente, o incontrolável.

Ambos os campos vêm acompanhados de seus elementos e verbos.
De dia: café, luz, abrir os olhos, entender o funcionamento das coisas.
De noite: álcool, drogas, escuridão, fechar os olhos, entregar-se ao fluxo.

Nossa cultura define, pontua e exalta como verdade, ou realidade, o Campo do Dia. Aquele que deve ser reverenciado e considerado verdadeiro. É praticamente uma tradição cultural.
O Campo da Noite é suportado, tolerado e eventualmente aceito como “breve campo de recompensa” uma vez que se preencheu os predicados do Campo do Dia. O Dia é em geral definido como o “tempo do trabalho” e a noite é reservada àquilo que se convencionou chamar de “tempo da diversão”.

O Campo da Noite certamente, para muitos, funciona como um campo de fuga. Convenhamos que muitos fazem do Campo do Dia também um campo de fuga, exatamente para evitar o contato comas  dimensões que o Campo da Noite pode trazer.

Para viver o Campo do Dia, alimenta-lo e construí-lo, é necessário banhar-se na “Noite”. Por outro lado para viver bem o Campo da Noite é conveniente ter um bom apoio no campo do Dia.

Pode-se dizer que de dia se alimenta o corpo físico, o grande veículo do âmbito do Dia, e a noite se alimenta a alma, veículo e âmbito do Campo da Noite.
Fechando-se os olhos muitas vezes tratamos de chamar a Noite, ou o Campo da Noite. 

Alguns seres humanos considerados "insanos” à vista daqueles que reverenciam o Campo do Dia, vivem continuamente no “Campo Noite”. As crianças recém nascidas vivem com um pé claramente no “Campo da Noite” e vão pouco a pouco sendo “chamadas” ao “Campo do Dia”. Ao observar o olhar de crianças bem pequenas, se vê, ou se pode lembrar fortemente nelas o olhar de certos “loucos” e... “santos”.

Como se entra e como se sai de um campo para outro?

Algumas vezes é o simples cansaço, que dissolve as barreiras, abre os portais que intermedeiam ambos os campos e permitem o lançamento dos seres no “Campo da Noite”.  Da mesma forma as drogas, as bebidas, e... o sexo abrem as portas da noite.

O sexo é um dos portais da Noite. O prazer, a distensão, são elementos que podem levar ao Campo da Noite.  Não é à toa, que é considerado sagrado por algumas culturas. Ele é uma das formas de entrada no Campo da Noite, dos mistérios. Contêm o “perigo” do descontrole e da desfiguração, e em seu âmbito expressam-se várias de nossas contradições. Sexo nos desfigura, nos contorce e “despenteia”. Deixa transparecer aspectos ocultos, tão bem preservados nas palavras e gestos apresentados nos salões do Campo do Dia.


Na Noite se pode ter percepções, vislumbrar imagens, desvendar momentaneamente segredos e, dádiva das dádivas, romper a “seqüência de tempo” elemento tão exaltado e imponente do Campo do Dia.

Há os seres que têm suas vidas comprometidas no que eu chamaria de Campo Intermediário. Vivem nestes portais intermediários entre um campo e outro. São os artistas, seres da intermediação, tantas vezes ambíguos em comportamentos e atitudes - se classificados com olhos do Campo do Dia. São simplesmente o que são, sob o olhar do “Campo da Noite”.

Artistas e profissionais do sexo são seres que têm sua existência exaltada na beirada do dia ou da noite, e são muitas vezes confundidos exatamente por serem intermediários destes Campos. São seres que anunciam ao Campo do Dia o convite à entrada no Campo da Noite. São seres temíveis e atraentes, pois acenam com conteúdos essenciais á vida: conteúdos do Campo da Noite.

O Campo da Noite é um campo “perigoso” segundo o olhar do “Campo do Dia” porque é impregnado pela diminuição do controle, predicado este exaltado no Campo do Dia.

Certos lugares físicos são portais intermediários entre os Campos. São as boates, teatros, bares de madrugada, lugares onde se desliza de um campo para outro. São portais. Outro lugar onde se podem encontrar portais são igrejas e templos. A diferença básica entre os primeiros e os segundos é que nos primeiros há o risco de se “sacrificar” em alguma medida o corpo físico para fazer estas passagens.

Outra diferença enunciada é que um é o campo dos vivos – LUZ, e o outro é o campo dos mortos - ESCURIDÃO.
No Campo da Noite se dissolvem as fronteiras, se dissolve a exatidão e se convive com a indefinição.  
O orgasmo é um das possibilidades de passagem para o Campo da Noite e é corretamente chamado de “pequena morte”. É uma possibilidade de sair do mundo dos “vivos” para o mundo dos “mortos”, onde os contornos dos corpos se dissolvem.

Tenhamos bons passeios...
  
  

terça-feira, 16 de abril de 2013

O Todo, as Crianças e os Xamãs





O Todo, à que também chamo de Infinito Caos, existe e ponto. Creio que dentro da intensa magnitude desse Todo no qual estamos envolvidos, e do sentimento de estupor que ele nos causa, somos levados a organizar abordagens/visões em partes e seqüências que nos dêem uma ilusão calmante. Chamamos estas seqüências de compreensões e lógicas. Cultivamos e ensinamos estas seqüências para nos manter agasalhados do frio do Infinito Caos. O que chamamos de compreensão são essas ilusões compartilhadas. Depois de compartilhadas à exaustão passamos a denominá-las “verdades”. O mundo tem a plasticidade de conformar-se a estas “verdades”. Criamos assim a chamada “realidade” e as coisas passam a funcionar dentro desta “realidade”, criada e compartilhada.

Crianças pequenas como ainda não adotaram a “compreensão compartilhada” têm uma liberdade, criatividade e comportamentos que relacionamos com aspectos que decidimos intitular de maneira condescendente como “coisas de criança” ou “loucuras de criança”.

Muitas vezes irritados com essas “loucuras” as contrapomos e impomos nossas “realidades”, por vezes com tanta fúria que anulamos a liberdade e criatividade das crianças.

Xamãs, curandeiros e crianças têm a capacidade de organizar o Infinito Caos de forma dinâmica e à sua própria maneira. Podem acreditar e viver cada momento segundo uma forma. Quando quaisquer destas formas não se encaixam, ou não servem mais, passam à outra.

Algumas pessoas sofrem por relutar ou não acatar o pacto de “acreditar nas verdades montadas para fins de convivência”. Há certamente sofrimento na impossibilidade de encaixar-se nestas “verdades”. Esse sofrimento corresponde à dor de abrir mão de si mesmo, a desistir de si e submeter-se às verdades coletivas/culturais. Como há o aceno de diversos prêmios se assim o fizerem muitos acabam por fazê-lo. Alguns seguem ao longo da vida pagando o preço de não fazê-lo.

Já os xamãs podem trafegar entre “verdades” diferentes, organizadas de maneiras diversas. São capazes de dialogar com as “verdades” de diferentes pessoas. Como são plásticos e abertos podem transitar pelas estruturas das “verdades” carregadas por pessoas que os procuram para mitigar seu sofrimento. Xamãs podem dialogar com as pessoas dentro das “verdades” que elas criaram e ajudá-las a criarem novas “verdades” que as permitam viver sem tantos sofrimentos.

De certa forma sabemos de tudo isso e convivemos com estes fatos de maneiras mais ou menos integradas. Por sorte ou azar essas verdades flexíveis de nossa criança interna de quando em quando irrompem e produzem estranhas sensações. Assaltam-nos em sonhos, e por vezes em plena luz do dia. Sacudimo-nos e tratamos de seguir com nossa vida, mas uma vez isso tendo acontecido pode ser impossível seguir em frente incólume.

domingo, 14 de abril de 2013

Amor, doença e morte


Entendo que o amor é natural, não exige prova (de amor). É nossa realidade estrutural. Somos amor. Ocorre uma hipnose coletiva que inventou que amor é uma substancia que se tem ou não, que se acumula. Que se dá ou se retira. Que se merece ou não.
Não se pode negar amor ao outro. O que se pode negar, bloquear é atenção, proteção, cuidado.
Para abster-se desses gestos naturais de carinho, atenção e cuidado é necessário gastar energia, consumir-se. É simplesmente o mesmo que deixar de cuidar de uma parte de nós mesmos.  Isso consome enorme quantidade de energia: desviar-se de realizar estes gestos naturais, expressões do amor que somos: proteção, cuidado, atenção, etc. Ações contra nossa natureza profunda.
Essa é a razão básica de nossas doenças e eventos que geralmente consideramos negativos.
Por outro lado me parece que só se comete essas ações “contra nós mesmos” quando, de alguma maneira, nos sentimos feridos e/ou perdidos. Aí nos encolhemos e nos fechamos para o mundo. Uma vez fechados é comum ”concluirmos” infantilmente que o mundo é que se fechou para nós. No entanto o mundo é paciente e ternamente espera que nós nos abramos de novo e nos integremos a ele. Como nossa constituição é de conexão com o Todo (Amor) buscamos formas (às vezes inconscientes) de recuperar essa conexão. A doença é uma das formas de busca de re-conexão. O sofrer experiências desagradáveis também Na doença, assim como nas situações limites, somos impedidos de seguir com a maneira que seguíamos. Impõem-se novos comportamentos, posturas. Buscamos ajuda de pessoas, animais, plantas, objetos, e substâncias, na verdade buscamos a re-conexão com o Todo que é exercer o AMOR de forma mais plena.
Se não conseguirmos fazê-lo de maneira alguma, então morremos para nos desfazer, dissolver, e nesse processo voltar a nos re-conectarmos com o Todo.